terça-feira, 6 de outubro de 2015

Onde está a ‘Pátria Educadora’?

Os presidentes Lula e Dilma Rousseff reconhecem a educação escolar como instrumento básico para integração do povo brasileiro, independentemente de renda, à sociedade moderna. O que foi feito se orientou neste sentido? O Projeto Pátria Educadora será isso, ou uma carta de submissão ao capitalismo internacional? Quem os assessora?
No último 3 de julho, Roberto Leher assumiu o cargo de reitor da UFRJ, que exercerá até 2019. Seu discurso de posse conteve uma nota simpática e que promete um não-acomodamento nas magnificências de uma reitoria: mencionou uma gestão compartilhada e o objetivo de obter a cassação do título de doutor honoris causa, concedido ao ditador Emílio Garrastazu Medici. Muito mais a fundo, o novo reitor alongou-se em críticas ao que se aponta como sendo a Pátria Educadora: lembra que o Governo Federal está concedendo verbas maiores para dar acesso de estudantes em instituições privadas, do que aquelas que libera para as universidades federais, observando que os gastos com o FIES permitiriam que se dobrasse o número de vagas na UFRJ. Nas suas palavras, “grande parte dos recursos do MEC para custeio da educação financia fundos de instituições privadas, mais preocupadas com fins lucrativos – não são instituições educativas, são instituições financeiras”.
Leher é o novo reitor da UFRJ
Roberto Lehrer não está traindo um voto de confiança de parte de quem o nomeou, a presidenta da República. Suas convicções são colocadas muito claramente quando, por exemplo, em 2004 escreveu: “por apagar as distinções entre instituições privadas e públicas, a reforma Lula está inscrita no escopo das políticas neoliberais em curso na América Latina”. Ele é um educador que não aceita, sob a alegação de que é necessária a “inclusão social”, o que acabou por se tornar o PROER dessas instituições financeiras disfarçadas em educativas.
De forma muito clara, os investimentos privados feitos na Educação foram enormes e tendentes a criar uma ociosidade enorme: o número de vagas em oferta superam em muito o número de candidatos. A Kroton & Anhanguera formam hoje a maior empresa educacional do mundo, com mais de 1,2 milhões de estudantes. A Kroton está ligada à figura política de Walfrido Mares Guia, o que foi ministro de Lula, mas também o grande coordenador do chamado “mensalão mineiro”, uma figura de acesso a todos os espaços, públicos e privados. Ela opera, articulada com editoras, softhouses, fabricantes de computadores e tablets, redefinindo a formação de milhões de brasileiros.
Roberto Lehrer, em entrevista recente, informa que atualmente 40% das matrículas em cursos universitários ficam no âmbito de cinco fundos de investimentos, que são ao mesmo tempo detentores de 60% da educação à distância no País. E completou ainda, observando que se trata de uma associação de grupos econômicos, “Todos pela Educação”, organizada pelo setor financeiro, pelo agronegócio, mineradoras e meios de comunicação, que estão implantando um projeto de educação que serve às elites dominantes: a metamorfose dos jovens brasileiros em capital humano, um fator de produção.
Tanto as críticas são legítimas, que o Governo, pelo seu Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, certamente depois de uma luta mais que renhida, enfrentando o poder de pressão da “máfia do ensino” já comunica mudanças nos critérios e procedimentos do FIES, que se tornou de fato um mecanismo de financiamento dos “fundos financeiros aplicados na educação”.
O MEC assinará 313,9 mil contratos de financiamento em 2015, 57% do que se registrou em 2014, com 731 mil contratos, um número absurdo e lastimável. Esse ajustamento decorre da definição de critérios éticos e razoáveis, a saber:
• A renda familiar do aluno contemplado não poderá superar a 2,5 salários mínimos, quando antes esse limite praticamente não existia: 20 salários mínimos.
• Terão prioridade cursos com notas 5 e 4 na escala de qualidade do MEC nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. As áreas de Engenharia, formação docente e Saúde são outro foco.
Lula sempre se orgulhou das 35 universidades criadas pelos governos do PT, e com justo motivo. Mas se esqueceu de que 35% dos universitários brasileiros são analfabetos funcionais, uma porcentagem que aumenta e muito quando são consideradas apenas as universidades privadas. Vamos enxergar o mundo real, e não o sonho do metalúrgico, querendo o filho feito
doutor?
O FIES estava portanto financiando as classes-médias, com a oferta de cursos desqualificados pelo próprio MEC (com avaliações abaixo de 4), em especializações não-prioritárias, como Direito, Administração, Turismo, etc., nas regiões mais ricas do Brasil. Tudo isso, para lucro dos especuladores financeiros (as ações de Kroton oscilam na Bolsa de Valores, segundo o Ministro pareça mais ou menos simpático à “iniciativa privada”). Tudo isso, também, foi noticiado pela imprensa, não foi comentado, e nem mereceu reprovações de uma oposição que não existe e comprova, com a sua omissão nesse caso, a sua incompetência total.
Orgulhando-se de um projeto educacional, nem Lula e nem Dilma tiveram notícia sobre o descalabro promovido por escalões secundários do governo, dotados de poderes suficientes para beneficiar a fortíssimos grupos de especulação financeira. Devem ser alertados: viajem menos, façam menos conversas de amizades e inimizades, trabalhem mais… Escolham melhor os seus colaboradores.
Roberto Lehrer não se limitou em suas críticas a um passado lastimável, e que está sendo corrigido pelo MEC, sob comando de Renato Janine. Ele olha para o futuro com preocupação imensa. Segundo ele, o documento “Pátria Educadora” é elaboração da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), dirigido por Mangabeira Unger. O que ele, como homem do Hemisfério Norte, mal-falante da língua nacional, pretende? Ele quer assegurar a formação de uma força de trabalho aplicável a trabalhos simples, a serem solicitados por uma economia complementar, subordinada às necessidades da economia empresarial norte-americana. Mangabeira Unger pretende a adesão à ALCA e a educação de brasileiros para servirem à ALCA?
Da mesma forma que o sonho de Lula, mantido pela Presidenta Dilma, de ofertar “universidade para todos”, foi transformado no PROER dos negociantes do ensino, agora corre-se o risco de um novo golpe, dessa feita “macroeconômico”.
Seria muito importante que o povo brasileiro pudesse ser informado: o que é mesmo a Pátria Educadora? O que está fazendo o Ministro Mangabeira Unger? De onde ressurgiu essa figura digna do cinema expressionista alemão?
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* Artigo publicado originalmente no CdB em julho 10, 2015
** Maria Fernanda Arruda é escritora, poeta e midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras. 

Direitos Reservados © 2015 Maria Fernanda Arruda

Rio de Janeiro, país do carnaval e curupira

O Rio de Janeiro possui algumas características que são desconsideradas pelos cariocas e fluminenses. É o quarto menor Estado da Federação, contendo em pequeno espaço nada menos do que 8,4% da população nacional, logo, o Estado de maior densidade demográfica. A cidade do Rio de Janeiro sofreu com a transferência da Capital Federal para Brasília, mas já se ajustou a uma realidade nova. Sua população é majoritariamente formada por segmentos de classe média: comerciários, funcionários públicos, bancários, tendo se tornado nas últimas décadas o maior fornecedor de oficiais para o Exército Nacional.
O Palácio Guanabara é a sede do governo do confuso 
Estado do Rio de Janeiro
Economicamente, perde apenas para São Paulo, tendo um setor de serviços muito forte, sediando a Petrobrás e muitas empresas de âmbito nacional. Foi pioneiro na indústria siderúrgica, automobilística (Fábrica Nacional de Motores), refinação de petróleo. Fazem parte de um passado muito longínquo a cana de açúcar e o café: a agricultura do Estado hoje é inexpressiva e decadente.
Tem um colégio eleitoral de 12 milhões de votos e muitos municípios com mais de 150 mil habitantes; isso é, compõe um colégio eleitoral tipicamente urbano. Notável que, dos 16,5 milhões de habitantes do Estado, nada menos do que 10,6 milhões estão no Rio de Janeiro e arredores: São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Niterói, Belford Roxo e São João do Meriti.
Seu grande vulto político foi o almirante Amaral Peixoto, genro de Vargas, com o seu nome associado à CSN, à Companhia Nacional de Alcális, à FNM e à criação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Se Jango foi o braço esquerdo de Vargas, Amaral Peixoto foi-lhe o direito, o grande nome do PSD, que sobreviveu à morte de seu sogro, eminência parda em todos os conchavos que moveram a República, antes de 1964.
A fusão da Guanabara e Rio de Janeiro foi obra da ditadura (1974), preocupada em amortecer a força política que, na cidade do Rio de Janeiro, havia-se constituído em bastião, na luta pela democracia. A vida política autônoma do novo Estado começou em 1982 com a eleição de Leonel Brizola, recém-chegado de exílio, beneficiado pela “lei da anistia geral e irrestrita” de João Figueiredo. A Justiça Eleitoral dos tempos fardados roubou dele a legenda PTB, entregando-a à gorda fanfarronice de Ivete Vargas. E foi assim que nasceu o PDT, mistura de sotaques gaúcho e carioca, postos nas figuras do próprio Brizola e Darcy Ribeiro.

Brizola

O Rio de Janeiro nasceu “sinistro”, à esquerda, com duas figuras intimamente ligadas ao presidente João Goulart. E aos dois, Oscar Niemeyer, com os projetos arquitetônicos da Passarela do Samba e dos CIEPs. Nos ares rarefeitos da “democracia consentida”, o Rio viveu tempos de renovação. Depois do intervalo dos anos de governo Moreira Franco, Brizola retornou em 1990, para um mandato que foi agitado pela “revolução dos bichos”. Os banqueiros do jogo passavam a investir também no tráfico de drogas, a violência nos morros aumentou e Brizola se negou a usar de violência da polícia militar.
Marcelo Alencar foi o resultado de um ajuste do PSDB com vários outros partidos, um momento inicial da grande “salada de frutas” em que se transformaria a vida política do Rio de Janeiro, somando clientelismo, mandonismo, patrimonialismo, incorporando, ajustando e triturando siglas partidárias que se prostituíram, sem que precisassem brigar pelo ponto e pela clientela. Anthony Garotinho elegeu-se com as roupagens do PDT, associado ao PT, que forneceu Benedita da Silva aos amigos e compadres. Continuado pela mulher, a Rosinha, não antes de criar um curupira, de nome Eduardo Cunha.
Com os dois mandatos de Sérgio Cabral, e agora com o Pezão, que goza da companhia de Francisco Dornelles, homem do PP, o partido político mais corrupto do país do carnaval, consolida-se a filosofia do PMDB, o “centrão”, o partido político que dispensa ideologia política, que não se programa, a não ser para o uso e gozo do Poder.
Com pequeno atraso, o Rio de Janeiro assumiu o modelo comprovadamente exitoso do PSDB de São Paulo. Ressurgem as raposas do antigo PSD, criam-se sósias de Amaral Peixoto, mas a figura marcante vem a ser a de um renascido Orestes Quércia, aquele que transformou o MDB revoltado em PMDB apascentado. E quem é Geraldo Alckmin se não um Quércia equivocadamente ancorado no cais do PSDB? Essa grande mistura de ingredientes, que dispensa qualquer seriedade às legendas partidárias, traz no fundo um “gostinho” de ademarismo, o governo com os “compinchas”, com quem se trocam favores e dividem-se as comissões.
Há grande coerência em tudo isso. No Rio de Janeiro, tanto quanto em São Paulo ou no Paraná, pratica-se a política possível dentro dos limites da “democracia consentida”, aquela que realiza os mesmos objetivos que animaram no passado a ditadura civil-militar, dispensando-se a figura ridícula de um ditador. Trata-se da consolidação do Estado autoritário e elitista, fisicamente garantido pelas forças da Polícia Militar, a kafkiana “polícia pacificadora”, que coloca cidadãos bem-comportados à poltrona, sentados em frente da programação da Rede Globo. Garante-se, assim a transformação de 12 milhões de eleitores, programados para consagrar figuras como os deputados federais: Jair Bolsonaro (PP), 464 mil votos; Clarissa Garotinho (PR), 335 mil votos; Eduardo Cunha (PMDB), 232 mil votos. Entre os deputados estaduais: Flávio Bolsonaro (PP), 160 mil votos; Samuel Malafaia (PSD), 148 mil votos); e Paulo Melo (PMDB), com 125 mil votos, presidente da Assembleia Legislativa.
Pode-se admitir alguma consciência política nesse colégio eleitoral? O PMDB, associado com partidos pequenos e ferramentas de corrupção, o PP e PR, mais os democratas do DEM, montou uma máquina de controle do Estado e da cidade do Rio de Janeiro, legitimada democraticamente pelos votos postos nas urnas. Onde está esse eleitorado reacionário, extremamente conservador, ignorante, consagrando figuras fascista e aproximando-se dos pastores capazes de curar até os gays?

Figura nacional

Dúvidas, perguntas, especulações são justificáveis, e mais ainda quando se tem em conta que, em eleições presidenciais de 2014, Dilma Rousseff obteve 55% dos votos no Estado. O que se pode supor? O eleitor médio distingue duas situações: a Presidência da República está lá, muitos distante, em Brasília, e a Mulher é a indicada pelo Lula. Estado e município estão muito perto e não há nenhum Lula rondando nessas proximidades. Lula é figura nacional, seu prestígio é exclusivamente nacional. Como São Paulo, o Rio de Janeiro derrota o partido do Lula. E Dilma Rousseff vence, baseada na assimilação do PT pelo PMDB, com as suas sublegendas, os partidos pequenos, entre eles o dos Trabalhadores.
A escolha dos governantes do Estado demonstra uma lógica que se repete, quando se tem em e vista os prefeitos escolhidos pelos cariocas. Depois de dois eleitos pelo PDT, Saturnino Braga e Marcelo Alencar, teve início em 1992 a era de César Maia, inicialmente eleito pelo PMDB; em 2001, já então pelo PTB; reeleito em 2004, pelo DEM. A partir de 2009, sempre pelo PMDB, Eduardo Paes, eleito e reeleito. A competência do eleitor pode ser discutida, mas não a sua coerência, que é absoluta. Cesar Maia marcou a administração municipal. Aos seus 12 anos de governo devem se somar os 8 de Eduardo Paes, chegando-se ao absurdo dos 20 anos de continuidade, a mesma que espanta tanto em São Paulo, mas que não é enfatizada no Rio de Janeiro. (“nenão?”)
Na escolha dos governantes por cariocas e fluminenses, não houve voto de protesto ou de circunstância, o voto é do PMDB. O PT foi colocado, ou colocou-se como partido pequeno. Na Câmara dos Deputados estão 46 homens, 8 do PMDB, 6 do PR, 6 do PSD e 5 do PT. Com os olhos fixos em Brasília, o PT não tem competência para enxergar o Brasil como um todo, e em especial os centros maiores: nem São Paulo, nem o Rio de Janeiro; como trocado de lambujem, vão-se o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul.
De quem a responsabilidade por esse quadro? Dos eleitores? Em termos: eles são destituídos de formação política, aceitam o que lhes é dado como prato feito pela TV Globo e pela revista Veja. Mas a grande culpa cabe ao PT, que se distraiu ao namorar o poder, esquecendo-se do povo, povo que não se esgota na imagem idealizada nos que foram tirados da miséria. E tanto é assim, que no Rio de Janeiro, o PT é partido pequeno e de expressão menor. Estamos diante de números, não de sonhos ou de palavras já muito desgastadas.
Diferença entre a UPP e a UPD
No próximo ano, 2016, o Brasil será sede dos Jogos Olímpicos, sim, exatamente aqui no Rio de Janeiro. Pois sim, obras de preparação para os jogos estão em andamento, fazendo-se o que historicamente sempre foi feito. Ao descontrole dos gastos soma-se o elitismo, no descaso pela sorte das famílias que vão sendo desalojadas e serão realocadas para além da periferia, ou desovadas em algum “Jardim Gramacho”, lixão. Reforma-se a avenida Rio Branco, que será importante tê-la bela e funcional para a horda de turistas que são aguardados. Abrem-se espaço para os campos de golfe. Serão quatro os Parques Olímpicos? Barra, Deodoro, Maracanã e Copacabana? E da experiência de Paulo Salim Maluf: onde está hoje a avenida jornalista Roberto Marinho, nome outorgado por uma prefeitura do PT (Martha Suplicy), havia uma favela onde a polícia despejou alguns milhares de seres humanos na forma a mais lastimavelmente violenta. Algum ministério, entre os 39 que estão lotados em Brasília, saberá o que acontece no Rio de Janeiro? Existe um ministério das cidades? Existe um ministério do bem-estar social?
O governo do Estado do Rio de Janeiro está aparelhado com tudo isso e algo mais; no papel.

Eleições presidenciais

Se, como é verdade, a segurança dos cidadãos deve ser provida pelos governos estaduais, quando são criadas “polícias pacificadoras” e os moradores das favelas morrem de bala perdida e de bala mirada, a União nada tem a ver com o crime e muito menos com a violência policial? As UPP, atualmente 42 unidades distribuídas pelas favelas do Rio, consagram a contradição: polícia x pacificadora, o que se torna mais absurdo quando se sabe sobre a forma de treinamento desses corpos militares, a quinta essência do entulho autoritário.
A violência da ação das UPP tornou-se motivo de pavor para os favelados. A tortura e assassinato do pedreiro Amarildo tornou-se símbolo dela. Mas o que de farto comoveu a Zona Sul da cidade foram os atos de violência praticados contra os manifestantes de junho de 2013, pois que, afinal, filhos da classe média não foram feitos para apanhar de meganhas. O comportamento das Polícias Militares é o mesmo, independentemente da facção política a que pertença o governador: PMDB (RJ), PSDB (PR) ou PT (BA): elas matam, matam jovens pobres e negros. E o Rio de Janeiro possui muitos, plantados nos quase 1,5 milhão de favelados.
Não apenas a União se mantém convenientemente afastada do problema, como o PT, desimportante no Estado, não quer conhecer o problema. Limita-se aos conchavos eleitorais.
O Estado enfrenta problemas específicos: o esvaziamento de sua economia agrícola, as catástrofes na região serrana, a cada estação de chuvas, a ausência de meios adequados de movimentação. A cidade já sufocada pela ocupação e uso do solo, definidos em função da especulação imobiliária a mais aguda, que produziu a inadequação absurda dos serviços públicos, o congestionamento constante das ruas e avenidas, a poluição sonora, do ar e da água. Às elites, a solução que se oferece na Barra da Tijuca.
Todo esse quadro tem se mantido desconhecido e desconsiderado.
As eleições presidenciais comovem, é verdade, a Zona Sul, quando se promovem encontros, produzem materiais, camisetas, bandeirolas e faixas, distribuídos entre amigos, como se faz no Natal.
O povo não se movimenta sozinho, ele carece de organização e força de um partido político, que traga líderes, propostas e mensagem. Isso não acontece mais por aqui.
As raposas do PMDB optam por trabalhar em silêncio.
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* Artigo publicado originalmente no CdB em setembro 4, 2015
** Maria Fernanda Arruda é escritora, poeta e midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras. 


Direitos Reservados © 2015 Maria Fernanda Arruda

Três poemas

Red passion, by Hessam Abrishami
a pele é minha casa
a pele é minha casa
cobiço água que salga, lava, benze
e adoça minha dor...
traço sílabas quando
te vejo por perto
e da palavra incerta
que descreve o hiato
deserto é o leito que me maltrata
habit​ando​ seu corpo quando vens
me desfaço dos medos
úmidos
agressivos ...
 ​desconfortáveis ​​
não me adormecem mais
- Maria Fernanda Arruda


sou um pátio abandonado
sou um pátio abandonado
não desisto da fresta que me leva ao sol
vejo pouco e amontoado
é tudo que me resta 
...alguns outros amores
naquele espaço de vida
quando era carnaval
- Maria Fernanda Arruda


...nem me dei conta da correnteza
...nem me dei conta da correnteza
ávida, avassaladora
não daria trégua aos meus desejos
tampouco saberia os teus
não pensei em nós
caminhei em rotina áspera
como quem teme fome de rebento
do outro lado da noite
me vi partida
inevitavelmente
nos parti
- Maria Fernanda Arruda

Direitos Reservados © 2015 Maria Fernanda Arruda

Quem daria o golpe? Quando e como?

Na foto, o que aconteceu para O Globo, em seguida à morte de Vargas - 25 de agosto de 1954
A oposição dos tempos atuais não sabe fazer oposição, até por ausência de competência e por nojo à democracia. Quer o poder e sabe-o inatingível por caminhos legais. Essa oposição golpista contou sempre com o apoio da imprensa, a escrita, a falada e a imaginada. O ruído provocado por ela atinge mais de 100 decibéis, que são completados com os famosos bater-as-panelas, nas coberturas dos apartamentos de abrigam o luxo das elites. Do que se sente falta? Da voz de autoridade que brade: moleques, ponham-se no lugar que lhes cabe, não golpe porque nós não queremos.
A História que se repete: Vargas eleito, Carlos Lacerda pregou o golpe. Dilma Rousseff reeleita, Aécio Cunha, FHC e seguidores pedem um terceiro turno, pregam um “golpe democrático”, ridículo em si, mas que não dispensa aponta-lo enquanto tal. O PSDB, sob a inspiração da ausência de escrúpulos de Jose Serra, não tem pejo em vestir-se de União Democrática Nacional-UDN, a que, por ser golpista, tornou-se a “vivandeira” dos quartéis. E por ai até que concordamos todos: não há mais disponibilidade de tanques de guerra, nem mesmo de  fantasias de vacas fardadas, como as que se ostentaram em 1964.
Mas o que o PSDB/UDN não apreendeu ainda: essa elite anacrônica não representa mais o capital internacional, os banqueiros e os empresários, e nem a autoridade imperial dos Estados Unidos. Ela é exatamente o anacronismo que  a Constituição de 1988 permitiu sobreviver. Alienados, os golpistas enxergam uma Presidente enfraquecida, a ser defenestrada por um simples sopro intestinal. Será assim?
Em diferentes momentos, o STF mostrou-se parcial e disposto a golpear a fundo o PT e os que o representam. Houve a sinfonia macabra, regida por um condutor catatônico. Ele não está mais e os seus sucessores, figuras infelizmente desconfiáveis, não possuem o mesmo grau de atrevimento. O ministro Mello não mostra insolência e reconhece a legitimidade do mandato outorgado pelo povo a Dilma Rousseff. Por certo, há um Gilmar Mendes, a cada dia mais andorinha só, a que não faz verão.
E a ameaça de reprovação de contas de campanha? Lembre-se o 10 de dezembro de 2014: A prestação de contas da campanha da candidata reeleita pelo PT à Presidência, Dilma Rousseff, foi aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Após julgamento que se estendeu por quase quatro horas na noite desta quarta-feira (10), por unanimidade, os ministros da Corte consideraram não ter havido falhas suficientes na documentação apresentada para reprovar as contas.
Bem, e o julgamento das “pedaladas” pelo TCU? Haja paciência. O TCU é uma repartição pública, prestigiada apenas pela imprensa. Hoje tem a presidência de Aroldo Cedraz, político pequeno, menino de recados de Antônio Carlos Magalhães. Não há mais o que comentar sobre isso, depois da fala de um senador da República, membro do PSDB. Tasso Jereissati, sobre tal figura, depois de ter ela cometido a ousadia de não atender a uma convocação da Casa:
 “Aroldo Cedraz não está apto a ser presidente do TCU”. Ainda de acordo com o parlamentar, o ofício é uma afronta ao Congresso Nacional porque não gostaria de comparecer à casa antes da votação do Tribunal. “O presidente comete um grave erro. Ele não tem que gostar ou não gostar, o TCU é uma casa auxiliar do Congresso”, ressaltou. Jereissati afirmou ainda que o ofício foi ignorante. Pode-se imaginar, depois disso, que o Senado volte a considerar algo que tenha origem desse “órgão auxiliar.”? Só mesmo as analistas políticas, selecionadas pelo O Estado de São Paulo, ainda darão ouvidos ao auxiliar infante.
Sejamos pacientes, ouvindo os golpistas e seus porta-vozes da imprensa. Não compete à Justiça decidir sobre impedimento de um presidente, mas ao Congresso. Os jornalistas facciosamente apressados não contam a estória que precisa ser contada, para que o povo a entenda: é necessário que 2/3 dos deputados acusem em votação nominal a presidência, para que essa denúncia possa ser levada ao Senado, onde será necessária a maioria absoluta de 2/3 dos membros do Senado para que seja cassado o mandato presidencial. Esses são números inatingíveis. E sejamos muito claros no que todos sabem: derrotados fatalmente, os eleitores do impedimento poderão solicitar “auxílio desemprego”. 
Já desprovidos de munição de poder de fogo maior, os golpistas passaram a usar um marionete, querendo fazê-lo tenor em teatro de ópera. Está moribundo e irá à falência, incapaz de um mínimo de dignidade. Senadores, membros do PSDB, dizem de voz bem dita que o impedimento de Dilma Rousseff não tem fundamento algum em nenhum lugar. Eduardo Cunha morre agora, sem choros e nem velas. Suicidou-se como decisão pessoal. O PMDB prescinde dele.
Sabidamente, não há qualquer possibilidade de destituição da Presidente com o uso de instrumentos legais. Seria necessário um ato de violência. Quem poderia praticá-lo? E a que preço? O Senado Romano apunhalou Júlio Cesar. E que aconteceu com os senadores romanos?
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* Artigo publicado originalmente no CdB em julho 24, 2015
** Maria Fernanda Arruda é escritora, poeta e midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras. 


Direitos Reservados © 2015 Maria Fernanda Arruda

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Dois poemas

The Lovers, Rene Magritte  (1928)
Aos poucos
Os loucos apontam na esquina
Afiando suas facas
Degustando teus prazeres
Abstêmios de carnes raras
Corações em desmantelo
Sem medida nem medo
Arrepiam suave tez clara
Rimam choro com sussurros
Quando cedem tais apelos...
- Maria Fernanda Arruda


ainda é cedo
ainda é cedo
procuro a pauta de nossos sonhos
na palma de sua mão
meus poros águam a pele
num gemido suave
viço de outrora
enredo que salva o náufrago
desesperado buscando oração
à margem de nossos corpos
toda saliva do beijo conforta
acalma
nunca será contorno
tampouco qualquer desejo 
... em vão
- Maria Fernanda Arruda


Direitos Reservados © 2015 Maria Fernanda Arruda