segunda-feira, 4 de maio de 2020

Aldir!!!

"Durante o período em que trabalhou no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro, Aldir Blanc chegou a pensar que encontrara de fato sua verdadeira vocação. Apaixonou-se pelo que fazia: "Ficava transando com os loucos de lá. Dando sopa para um, remédio para outro, apartando brigas, me sentindo gente. Depois, veio o desencanto. A medicina hoje é uma viagem ao mundo dos doutores. Se você pergunta pela dor do Fulano, a resposta é: 'acostume-se'. Eu não me acostumei. Peguei um bonde de volta e vim sozinho no estribo." Fim de sonho no Engenho de Dentro, consultório na Rua da Assembléia. Dois anos: "Aplicava lá uns métodos que os colegas não gostavam. Saía com os clientes e não dava bola para esse lance de 'dr. Psiquiatra'. Ia pro meio da rua com o cara, procurava entrar nas coisas que ele sentia. Um dia, um sujeito chegou, sentou e contou seu problema. Olhei pra ele e disse que aquele problema eu também tinha. Chamei-o para tomar uma cerveja e nunca mais voltei ao consultório. Dela [da Psiquiatria] me ficou muito pouco. Sou uma vocação falha para médico. Eu me emociono. Se um amigo me apresenta a sua dor de estômago, eu quero lhe dar a mão e chorar. Isso é ridículo. Médico nenhum pode fazer esse tipo de coisa."

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Quarentena


Meus cinquentões passando nessa quarentena...

Podia ser o oposto!

Dias que começam pelo meio...

Manoel de Barros



7.
Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras.
Sou formado em desencontros.
A sensatez me absurda.
Os delírios verbais me terapeutam.*
Posso dar alegria ao esgoto (palavra aceita tudo).
(E sei de Baudelaire que passou muitos meses tenso porque não encontrava um título para os seus poemas. Um título que harmonizasse os seus conflitos. Até que apareceu Flores do mal. A beleza e a dor. Essa antítese o acalmou.)

As antíteses congraçam.

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Manoel de Barros, em "Livro sobre nada". Alfaguara, 2016.